Marco Leone, CEO da Micro Focus e ex-FGV, fala sobre sua trajetória profissional
Conversa com o CEO
"A escolha que adotei é tentar ser o melhor no que estou fazendo".
CEO no Brasil da multinacional inglesa Micro Focus, o carioca Marco Leone, de 48 anos, diz que foi parar na área de TI por acaso. E lembra que, ao terminar o ensino médio, prestou vestibular para medicina. Desistiu. "Descobri que era uma coisa muito mais para agradar minha mama italiana", conta. Era 1984 e ele foi, então, fazer curso técnico na área de informática. "Eu tinha muita curiosidade com relação a essa questão da tecnologia da informação, futuro, computadores", conta.
A opção pelo estudo técnico se deu porque ele não estava certo de gostar o suficiente da área a ponto de entrar em uma faculdade. Com o conhecimento adquirido, a partir de 1986 passou a atuar no segmento como programador, depois como empreendedor, voltou novamente a ser empregado, e a partir daí sua carreira avançou.
Com a certeza de que iria trilhar pelos caminhos da TI, mas na área gerencial, foi para a faculdade: se formou em administração e fez MBA da FGV. Mais tarde, fez cursos rápidos na Harvard Business School, na Wharton, na Ensead, e na London Business School.
Leone atribui seu crescimento à vontade de sempre querer fazer o melhor sem se preocupar com os próximos passos de seu futuro profissional. Em sua trajetória corno executivo, enfrentou o que considera o maior desafio de sua carreira: o choque cultural decorrente do processo de unificação ocorrido após a Micro Focus, onde mal havia começado a trabalhar, adquirir a americana Borland.
Resiliência, conta, foi o que o ajudou a atravessar esse período.
Como começou a trabalhar nessa área?
Como programador. Depois, empreendi junto com amigos - montamos uma empresa de desenvolvimento, de sistemas. Só depois é que eu fui, de fato, trabalhar em uma software house. E fui estudar administração. Fiquei um bom tempo trabalhando com desenvolvimento.
Posteriormente, fui para a área comercial de uma revenda de software. Continuei aí nesse caminho na área comercial até me tomar gerente, diretor, e gerente-geral e presidente de empresa de software. E estou nesse segmento já desde 1986.
Como surgiu a empresa?
Em 1988, eu e mais três amigos resolvemos, em vez de trabalhar como programador, criar um sistema, um aplicativo, para locadoras de automóvel. Éramos jovens e idealistas e criamos um modelo de remuneração, pelo qual distribuíamos, não lucro, mas receita. Foi o primeiro erro que cometemos e quando perdemos um cliente grande, não sobrou dinheiro para manter aquela empresa ideal e tivemos de voltar para o mercado de trabalho. Foi uma experiência muito interessante, durou até 1992.
Qual foi o passo seguinte?
Fui trabalhar como programador numa empresa maior. Depois, fui ser vendedor numa revenda de um grande fabricante. Foi aí que comecei a ter contato com o mercado de multinacionais de software, e fui me destacando. E, em 1997, entrei na CA como vendedor.
Começou como vendedor?
Sim, em 1997, na filial do Rio. A empresa estava em um momento de ruptura, de mudança de modelo de negócio. Era muito focada no mercado mainframe e estava buscando trabalhar com outros mercados, que chamávamos de plataformas abertas, cliente servidor. E eu tive a oportunidade de me destacar. Em dois anos, tive chance de me tornar gerente de uma linha específica de produtos. No terceiro ano, vim para São Paulo e virei diretor dessa área. No quarto ano eu me tornei diretor de duas áreas e, no quinto ano, fui promovido a presidente da CA do Brasil, cargo em que fiquei mais de seis anos no cargo.
A que você atribui o sucesso?
Houve alguns fatores que ajudaram nessa minha ascensão.
Na verdade, o primeiro, que é mais curioso, eu nunca planejei isso. Nunca foi uma coisa assim "ah, eu estou aqui agora como vendedor, mas eu em X anos eu quero ser presidente da empresa".
Quando você está num ambiente corporativo, não é você quem escolhe. A escolha que fiz na época, que é uma das coisas que norteiam minha vida até hoje, é tentar fazer o melhor e ser o melhor naquilo que estou fazendo.
Quando eu era vendedor, meu objetivo era fazer muito bem aquilo que estava fazendo. Não posso garantir que consegui ser o melhor, mas perseguia a meta. Quando tive a oportunidade de virar gerente, esse também era meu maior desafio. Procurava entender, usar referências de quem eram os melhores, quem se destacava, o que dava certo, o que deveria ser evitado.
O que mais?
Eu tive a oportunidade de pegar áreas, situações, problemas, que normalmente as pessoas não conseguiam resolver, ou que não eram as áreas das mais atraentes da empresa. E eu consegui ter resultado muito acima da media em área que normalmente a empresa não conseguia ter bons resultados. E isso chamou a atenção.
O que você fez para ter esses bons resultados?
As vezes, quando você está numa área menos prestigiada, que tem menos demanda, você acaba se sentindo menos relevante, acaba liderando sua equipe quase como um time de segunda classe. Eu não acreditava nisso. Na equipe que se reuniu para trabalhar com essa linha de produtos, nos acreditávamos ser os melhores, queríamos ser os melhores, queríamos ser relevantes, tínhamos aquele compromisso de nos fazermos notar, de sermos melhores que os outros.
Você esteve à frente da CA na época em que o faturarnento aumentou de R$ 40 milhões para R$ 200 milhões. O que foi feito?
Na verdade, a empresa na América Latina passou por um trabalho de base, feito antes de mim, por um executivo sênior, que foi inclusive meu mentor - outro ponto importante na minha carreira depois que eu virei diretor.
Com ele, a empresa saiu do zero, na década de 90 aqui no Brasil, e foi criada uma estrutura na América Latina. O desafio, então, era expandir. Foi uma tarefa facilitada por esse trabalho inicial. As estruturas que sustentaram esse crescimento estavam bem estruturadas.
Mas qual foi seu projeto?
A base do meu projeto foi, primeiro, entender quem eram as pessoas certas. Começamos identificando quem eram os talentos, quem eram as pessoas que tinham de ficar, quem tinha de sair. Demos uma boa racionalizada no número de pessoas. Fomos focando em pessoas mais preparadas, mais capacitadas.
Também mudamos um pouco o modelo de atendimento. Atendíamos diretamente 1.700 clientes. Passamos a reduzir o número de atendimentos dessa maneira, fortalecendo o canal indireto por meio de parceiros, de integradores e revendas.
Outra coisa importante foi nos aproximarmos mais dos grandes clientes, procurando aumentar o portfolio de produtos, vender produtos, recuperar quem estava insatisfeito. Também foi muito relevante procurar manter o funcionário muito satisfeito, para que ele mantivesse o cliente satisfeito e isso gerasse lucro, que era reinvestido na satisfação do funcionário.
Isso tudo junto nos ajudou a ter esse crescimento. E a área comercial também era muito capaz. Acho que dei sorte, tinha um time muito poderoso.
Em seguida você foi para a Micro Focus?
Não. O ciclo na CA se encerrou, mudaram um pouco os objetivos. E quando de lá, passei por um processo de reavaliação da minha carreira e cheguei à conclusão de que deveria voltar a empreender. E eu tinha mais interesse na parte comercial da gestão e acabei me juntando a uma empresa de metodologia de vendas, e que também dava treinamento sobre o tema.
Começamos a representar um software baseado em computação em nuvem, em 2008. Foi muito legal. Posso dizer que durante um ano eu me diverti muito, fizemos coisas bem legais, foi um momento importante na minha vida. Mas veio a crise de 2008 e mudou um pouco o mercado, e isso meio que abalou um pouco nossos projetos. E você descobre também que é importante haver visões compartilhadas quando se tem uma sociedade. Foi quando surgiu o convite da Micro Focus para fazer o startup de uma empresa multinacional europeia no Brasil.
Por que aceitou?
Chamou muito a minha atenção, porque a CA é uma empresa tipicamente americana, e trabalhar numa empresa inglesa, europeia, me chamou muito a atenção, assim como fazer o startup no Brasil da Micro Focus.
Era uma empresa que não atuava diretamente aqui, mas sim por meio de um distribuidor. Então, havia esse desafio de mudar o modelo de negócios. Eu topei e com cinco minutos de jogo mudou tudo novamente.
O que houve?
A Micro Focus comprou a Borland, que era uma empresa americana muito tradicional de software, e também comprou a divisão de qualidade de uma outra empresa americana. Para fazer o startup, éramos eu e mais duas pessoas, e, do outro lado, veio uma empresa que já tinha uma estrutura muito consolidada aqui no Brasil, há mais de 15 anos, com vice-presidente, presidente, diretores, com técnicos, enfim.
Foi até uma surpresa para a própria empresa, porque o Brasil era muito relevante na operação global da Borland, representava 16%, que é um ponto fora da curva. Só que ela tinha foco maior em serviços e em algumas linhas que a empresa já não representava mais no Brasil. Então, houve um longo processo de integração da Micro Focus Brasil com a Borland Latino América, isso levou dois anos. Foi bastante interessante porque, por um lado, precisávamos crescer a linha de negócios Micro Focus, que era a clássica dos produtos antes da aquisição, e, por outro lado, fazer o trabalho de manutenção da base Borland, dos clientes Borland no Brasil, e ao mesmo tempo promover a migração para um modelo de gestão Micro Focus.
Tudo isso ao mesmo tempo e sem poder diminuir o tamanho da empresa, o faturamento, retendo talentos, porque foi um choque de cultura empresarial muito grande, de uma companhia europeia e uma americana, e de uma empresa pequena, relativamente, aqui no Brasil, adquirir uma grande, já tradicional.
Foi um desafio e tanto?
Foi o maior desafio da minha vida profissional. Eu tinha um mês de casa, quando foi feita a aquisição, e durante muito tempo a empresa chegou a manter aqui os dois executivos. Havia um outro executivo sênior, que tinha responsabilidade pela Borland Latino América, e eu, que tinha responsabilidade pela Micro Focus.
Tivemos muita maturidade para conseguir conviver por esse período de transição, sem perder o profissionalismo, porque houve muita bola dividida, muita opinião divergente. Também foi muito difícil para as equipes, porque, às vezes, tinham orientações até divergentes, havia linhas de reporte duplas, algumas pessoas se reportavam a mim e ao outro executivo.
Nem tudo o que eu vi nas melhores escolas de negócio do mundo não me ensinaram tanto como a experiência que eu tive nesses dois anos de Integração aqui nessas duas empresas. Estou indo para o quarto ano que assumi todas as operações da empresa aqui no Brasil. Mudamos todo o time gerencial de diretores aqui, tenho muito orgulho de ter retido grandes talentos da época da Borland. E a empresa está crescendo. Já crescemos mais de 200% nestes últimos três anos, consolidou-se a implantação, e há planos para continuar crescendo, 20%, 25% ao ano.
Que palavra define aquele momento de transição ?
É resiliência. Muitas pessoas me perguntavam como eu tive paciência para passar por esse período, para aturar isso tudo, como eu tinha certeza de que a empresa, no final, ia me escolher. Bom, eu tinha muita certeza do que eu estava fazendo, sabia que era a coisa certa, de que era o que a empresa precisava, eu possuía uma experiência prévia importante de mudança na CA, eu fui o agende de mudança.
E eu sabia que isso iria acabar acontecendo aqui também. Em alguns momentos eu lembrava do filme Rock, o lutador, cujo personagem apanhava, mas não entregava o jogo. Então, acho que resiliência é uma característica importante para quem quer fazer um turn around. Se você não for resiliente, não acreditar no que está fazendo, você desiste, não chega até o fim. Tem de acreditar e ter certeza do que você está fazendo, tem de corrigir o que você está fazendo de errado.
Em termos profissionais, como você enfrentou tudo isso?
Existem algumas coisas que acabam nos reenergizando. Do ponto de vista profissional, tive o suporte interno adequado. Tive orientação, apoio, pessoas que acreditaram em mim, que não me deixaram sair. Diziam "olha, você não vai assumir tudo agora, mas não queremos que você vá embora, porque vamos precisar de você lá na frente". Do ponto de vista pessoal, eu não queria terminar uma história no meio.
Também tive apoio da minha família, muita compreensão, acho que isso foi o mais importante. Outra coisa, participo de um grupo de executivos e de empresários, do qual também recebi muito apoio.
Por: Cláudio Marques
Fonte: O Estado de S. Paulo - SP Publicação: 03/08/2014 Editoria: EMPREGOS & CARREIRAS Página: Capa/4-5 Citação na página: 2